Relatórios mostram que situação das rodovias brasileiras piorou na gestão de Tarcísio
Relatórios mostram que situação das rodovias brasileiras piorou na gestão de Tarcísio
Relatórios mostram que situação das rodovias brasileiras piorou na gestão de Tarcísio

Existe uma mística em torno do candidato bolsonarista e agora favorito ao governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos: de que ele é um bom gestor público, independentemente de ideologia. Um “técnico”. A narrativa, amplamente explorada em sua campanha eleitoral, martela que o ex-ministro da Infraestrutura do presidente Jair Bolsonaro fez um grande trabalho nos três anos e três meses em que esteve na pasta antes de sair para ser candidato. Um exemplo raro de competência, dizem.

Os dados mostram, no entanto, que seu principal cartão de visitas – a gestão das rodovias – teve resultados péssimos. O ex-militar, que é chamado por apoiadores de “Tarcisão do Asfalto”, conseguiu a proeza de piorar a situação das estradas brasileiras em seu período como ministro.

O Intercept se debruçou sobre relatórios da Confederação Nacional do Transporte, a CNT, anteriores e posteriores à gestão do bolsonarista. Descobrimos que, além de ter levado o investimento do governo federal em transportes ao pior nível em uma década, Tarcísio também piorou as condições gerais de rodovias em todo o país.

No final de 2021, a CNT avaliou 109.103 quilômetros de rodovias pavimentadas. Ao todo, 61,8% delas foram consideradas regulares, ruins ou péssimas. No final de 2018, pouco antes de Tarcísio tomar posse no ministério, o mesmo relatório havia apontado que 57% das rodovias estavam na mesma situação.

Segundo a CNT, a avaliação geral piorou principalmente por conta das condições das rodovias administradas pelo poder público. Ou seja: justamente naquelas que estavam sob influência direta do governo federal e de governos estaduais. Em 2018, 65,2% das rodovias públicas eram regulares, ruins ou péssimas. Em 2021, esse percentual subiu para 71,8%.

No final do ano passado, de acordo com a CNT, eram 2.773 quilômetros de rodovias públicas em condições insatisfatórias de circulação. Considerando só as rodovias federais, incluindo aquelas concedidas à iniciativa privada, outro orgulho do ex-ministro, também houve piora na avaliação. Em 2018, 48,4% delas eram regulares, ruins ou péssimas. Em 2021, o percentual saltou para 55,9%. Os levantamentos da CNT levam em conta três quesitos para avaliação de estradas: pavimentação, sinalização e geometria. Ou seja: a infraestrutura.

De 2018 a 2021, o número de quilômetros de estradas classificados como péssimo pela CNT subiu de 24 (3,6% do avaliado) para 68 (10,4% do avaliado).


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Bombeiros fazem buscas por desaparecidos após desabamento de ponte no Km 25 da BR-319.

Foto: FuturaPress/Folhapress

A situação calamitosa afeta todo o país. Na noite do sábado passado, uma ponte da rodovia BR-319 despencou, deixando uma parte do estado isolada. Foi a segunda que caiu em menos de duas semanas no Amazonas. No primeiro desmoronamento, no dia 28 de setembro, quatro pessoas morreram e outras 14 ficaram feridas. O Dnit, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, órgão responsável pela manutenção adequada das pontes junto ao Ministério da Infraestrutura, não se manifestou.

Obras não andam

A qualidade das rodovias federais piorou, em parte, porque projetos de melhorias tocados por Tarcísio não avançaram conforme esperado.
Um trecho de 73 quilômetros da BR-470, que passa pelo interior de Santa Catarina, está em obras para duplicação desde 2011, por exemplo.

A condição da estrada foi retratada em reportagem da Folha de S.Paulo em dezembro de 2021. Naquela época, os buracos na BR-470 haviam gerado críticas a Tarcísio, principalmente depois que o ministro cortou R$ 25 milhões do orçamento para a duplicação. “Sou simpático a Bolsonaro. Fui eleitor do presidente. Mas não posso admitir um corte desses”, criticou na época o deputado estadual João Amin, então presidente da Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Amin é do PP, partido que compõe a base aliada do presidente.


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Buracos na rodovia BR-470, que teve cortes em seu orçamento para duplicação.

Foto: Polícia Rodoviária Federal/Divulgação

Outra rodovia federal com obras nunca concluídas é a BR-381, no trecho entre Belo Horizonte e Governador Valadares, em Minas Gerais. Em 2020, Tarcísio esteve pessoalmente na estrada, inaugurando um trecho de sete quilômetros de duplicação. Na ocasião, a imprensa local questionou a razão para inaugurar obras “a conta-gotas” na rodovia. O governo prometeu, então, concluir 66 quilômetros de duplicação da estrada até dezembro daquele mesmo ano.

A promessa não foi cumprida. Neste ano, Bolsonaro esteve em Coronel Fabriciano, outra das cidades mineiras por onde passa a BR-381. Segundo O Estado de Minas, o presidente chegou a fazer um desvio para não passar pela rodovia, que continua em obras e em estado precário.

Segundo a Polícia Rodoviária Federal, a BR-381 é a segunda rodovia federal com maior número de mortes registradas por acidentes em 2021: 162 vítimas. Minas Gerais foi, inclusive, o estado com maior número de acidentes em rodovias federais. Santa Catarina, por onde passa a BR-470, vem em seguida no ranking de acidentes.

Dinheiro parado

Tarcísio é militar de carreira. Estudou na Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman, e graduou-se em engenharia no Instituto Militar de Engenharia, o IME. Isso conferiria, em tese, grande capacidade técnica ao ex-militar, principalmente no que diz respeito à recuperação das rodovias. De acordo com o Portal da Transparência do governo federal, nas suas mãos estava um ministério com mais de R$ 106 bilhões à disposição de orçamento, de 2019 a 2022. O ex-ministro, contudo, gastou só R$ 33 bilhões – equivalentes a 31% do total reservado, de acordo com as informações oficiais do próprio governo.

O Siga Brasil, base de dados consolidados sobre gastos do governo federal mantida pelo Senado, mostra uma situação da execução orçamentária um pouco melhor – mas ainda aquém do previsto. Dos R$ 84 bilhões de orçamento que aparecem ali, foram efetivamente gastos R$ 52 bilhões pelo ministério no mesmo período.

O Ministério da Infraestrutura informou ao Intercept que o valor disponível para investimentos, que exclui gastos obrigatórios como salários, foi de R$ 26,1 bilhões de 2019 a 2021, e foi executado em patamares acima dos 99% nos três anos. “Este valor de R$ 106 bilhões não se restringe às despesas discricionárias; ele inclui despesas obrigatórias, (…) inversões financeiras e reserva de contingência, que não podem ser aplicados para custear investimentos”, diz a nota enviada pela pasta. A assessoria afirmou ainda que o ministério reformou 5 mil quilômetros de rodovias e entregou 300 obras essenciais. Sobre as concessões à iniciativa privada, “são 100 ativos leiloados e R$ 116,4 bilhões contratados desde 2019″.

O fato é que durante a gestão Tarcísio, o investimento do governo federal em projetos relacionados a transportes caiu ao pior patamar desde 2013. Saem dessa reserva os valores aplicados em construção e manutenção de rodovias. De acordo com uma nota técnica elaborada por consultores do Congresso Nacional, em 2013, os transportes recebiam a maior fatia do investimento federal incluído no Orçamento da União. Eram mais de R$ 20 bilhões do total de mais de R$ 115 bilhões para investimentos previstos no Orçamento, em valores atualizados.

Em 2022, o orçamento para investimento caiu para 45,1 bilhões. Já o investimento em transportes não chegou a R$ 10 bilhões.

Bolsonaro já encaminhou ao Congresso sua proposta de orçamento para o ano que vem. Nela, ele reserva R$ 22,4 bilhões para investimentos –o menor valor desde 2013. Disso, menos de R$ 5 bilhões serão destinados a projetos de transporte. Nesta mesma proposta, o presidente reservou R$ 19,4 bilhões para pagamentos das chamadas emendas do relator – as que compõem o “orçamento secreto”.

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